Leio O Ensino do Português, de Maria do Carmo Vieira e fico aterrado. Leiam, por favor, a edição, de 2010, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sabiamente dirigida por António Barreto. E leiam também, por favor, o indignado artigo de Francisco José Viegas, sobre as questões suscitadas pelo conteúdo do livro, na revista Ler de Novembro do ano passado. Leiam, por favor – embora só possa fazer este apelo a quem aprendeu português pela literatura portuguesa e pela gramática, e não a quem “aprendeu” por TLEBS & quejandos e por uns sucedâneos de literatura, como, por exemplo, “atestados médicos”, “instruções de electrodomésticos”, “horóscopos” & etc…
Em Portugal, instalou-se (para durar? ai…) a cultura do facilitismo – a “malta” morre, meu, ‘bora gozar, já! Os exemplos vêm do alto. José Sócrates, Armando Vara e tantos outros, pediram a uns amigalhaços das “universidades” que lhes “facilitassem” uns cursos superiores, é chato não poder ser tratado por doutor-engenheiro-arquitecto-Professor. E lá estão eles.
No Ministério da “Educação”, mandam imperialmente uns senhores e umas senhoras da pedagogia e da linguística, que são os culpados – “culpados”, e não “responsáveis” – por este triste e grave estado de coisas. Na universidade onde fui professor, lutei contra situações que identifiquei como o resultado de mais de duas décadas de destruição sistemática da capacidade crítica de jovens, da ditadura do fácil e do que não é “chato”. Tive colegas dos departamentos de psicologia e de pedagogia que teimavam em aumentar a carga horária das disciplinas de pedagogia nos cursos artísticos, e – o pacote integra outras “maldades” – a “ludicidade” na transmissão do saber. Colegas de teatro, por exemplo, clamavam contra a demasiada “teoria”, os alunos “não aguentavam”, berravam eles, além de que era preciso “prepará-los para o mercado de trabalho”. “Ó colega”, disse eu, em reunião de Conselho de Artes (!), “explica lá como é que se faz, por exemplo, com a História do Teatro Português?”. “É muito simples”, retorquiu o colega, “preparamos umas cenas com os alunos e fazemos um percurso rápido desde as origens aos nossos dias, coisa aí para uma hora, e ficamos assim com o resto do ano livre para as disciplinas práticas.” Alguns de nós embasbacaram… Era impossível explicar a professores, um deles professor doutor, a cor da lama onde intelectualmente chafurdavam. Perante o nosso silêncio, exclamou, vitorioso, o mais novo: “Estão a ver como é simples?” Porreiro, pá…
“Verbos incoativos são os verbos derivados intransitivos, parafraseáveis pela expressão «tornar-se ADJ/N» ou «N» a forma derivante.” Isto, é: verbos intransitivos, antigamente… O Ministério da “Educação”, por um lado, “simplex”, por outro, “complex”: é “chato”, não se lê, não se estuda; a gramática, empestada de linguística, evita que se perceba o funcionamento da língua. O que dá coisas como estas, de alunos universitários: “No dia em que marca-mos”, “tenho hoje grassas à minha mulher”, “facha etária”, “não está assecível”, e, como variantes do losango, “losângulo, losângolo, losangulo, losangolo”; ou, no âmbito da geometria, um aluno que “descobriu” um “losango hexagonal”…
E não se podem incriminar os culpados disto?
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