Transportes & Mudanças / Ficava Tão Bem Naquele Canto da Sala [teatro]

Transportes & Mudanças

 

(Um corpo enforcado de uma jovem de cerca de 17 anos, caído do vão de uma porta alta. No chão, sob o corpo, um grande pedaço de pinheiro para árvore de Natal, ainda sem enfeites, nem presentes. Pai e Mãe estão sentados.)

 

Mãe: Vá lá, marido, vá lá…

Pai: Não, já te disse.

Mãe: Porquê?

Pai: Não sei.

Mãe: Por que não a tiras?

Pai: Sei lá, eu…

Mãe: Podias pô-la na varanda.

Pai: Sim. Ou na cozinha.

Mãe. Na cozinha não.

Pai: Porquê?

Mãe: Acho que não dá jeito, não sei…

Pai: É pesada…

Mãe: Isso é o menos.

Pai: Também é verdade.

Mãe: Não fazes nada?

Pai: Fazer o quê?

Mãe: Não sei, qualquer coisa…

Pai: Estou a pensar.

Mãe: Em quê?

Pai: Que é preciso tirá-la dali.

Mãe: Já falámos disso.

Pai: Eu sei.

Mãe: Tu…

Pai: Sim?

Mãe: Não, não.

Pai: Diz lá.

Mãe: Deixa, não ligues.

Pai: Não ligo a quê?

Mãe: É que eu…

Pai: Estás triste?

Mãe: Sim, estou triste, mas não é isso.

Pai: Então não sei.

Mãe: Podíamos… estás a perceber…? não sei…

Pai: Percebo… mas… achas que sim?

Mãe: Estou a perguntar-te.

Pai: Poder, podemos…

Mãe: E então?

Pai: O que é que hão-de dizer?

Mãe: Dizer?

Pai: Sim, assim desta maneira…

Mãe: De que maneira? Não estou a perceber.

Pai: Sim, o que é que lhes explicamos?

Mãe: Não sei.

Pai: Vão dizer que assim já não a querem.

Mãe: Também pensei nisso.

(Pausa.)

(…)

Ficava tão bem naquele canto da sala. Encenação de João Ricardo

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