Posts tagged ‘Inês Fonseca Santos’

27/03/2012

LIVROS & COMPANHIA

por cam

Estive em Lisboa, onde participei no Dia da Poesia do CCB (leitura e exposição de manuscritos).  Voltei com livros de poesia: Poemas de despedida, vol. VII, seguido de 7 poemas, plaquette “doméstica” do Fernando Machado Silva, Resumo, a poesia em 2011, antologia (oferecida…) dos melhores de 2011 FNAC/Assírio, aliás, Documenta, de que gosto muito pois dela sou sistematicamente excluído, Rui Noronha (poemas gravados em CD), Má Raça, do Alex Gozblau e do João Paulo Cotrim, e 5 pequenos livros de Carlos Mota de Oliveira (edição de autor).

Na casa do correio tinha à minha espera as ofertas Câmara Escura. Uma antologia, da Inês Lourenço, e Pedro e Inês: Dolce Stil Nuovo e K3, ambos do Nuno Dempster.  Boas companhias, portanto.

04/02/2012

MEXIA E AS COISAS

por cam

Pedro Mexia, Suplemento Actual/Expresso, 4 de Fevereiro de 2012, sobre As Coisas, de Inês Fonseca Santos.

18/01/2012

MARAVILHAMENTO

por cam

Gosta-se de livros pelos seus “conteúdos”: pois. E o resto, não é livro? Estas e outras dúvidas mais ou menos idiotas desvanecem-se quando temos entre mãos livros editados pela abysmo, do João Paulo Cotrim. Já tinha em casa o “Sérgio Godinho e as 40 Ilustrações“, “O Branco das Sombras Chinesas” do João Paulo Cotrim/António Cabrita, com ilustrações de João Fazenda; hoje chegaram pelo correio a esta terra “prantada” no meio do Atlântico “As Coisas” da Inês Fonseca Santos, com ilustrações de João Fazenda, e “Uma História de Amor no Casal da Eira Branca” de Tomás Vasques com ilustrações de Susa Monteiro – e pronto, vão as tais dúvidas a ganir alto e forte para longe. Com estes livros nas mãos, o Marx e o Engels não teriam sido tão violentos contra a propriedade privada, acho até que teriam lutado arduamente pela posse destes livros singulares. Eu, pelo menos, compreendo agora melhor o que é desejar uma coisa e depois sentir a sua posse. Enfim, não quero pregar doutrina, não empresto estes livros a ninguém e acabou-se. Mas apetece-me mostrá-los aos amigos, a distância segura das suas salivas e das suas mãos subitamente velozes. A fazer-lhes pirraça, como dizíamos quando éramos garotos – a única fase da nossa vida em que não temos problemas com a posse, “é meu/minha” e acabou-se!  Ficam aqui as capas destes dois últimos livros, em versão envergonhada de scanner. Mas, mais logo, na cama, é que vai ser das boas: “olha pra eu” sossegadamente a lê-los, ou talvez devoradamente a.

15/01/2012

UM NOME INDIZÍVEL NUM AQUÁRIO VERDE

por cam

As Coisas, edição limitada

«Saudar o aparecimento de um novo livro é sempre motivo de alegria. Saudar o aparecimento de um primeiro livro de poesia é uma felicidade imensa. Mas, como festejar As Coisas, que se apresenta como obra de estreia de Inês Fonseca Santos, e cujo lançamento hoje aqui celebramos? Obra de estreia? Mas como, se a própria autora nos diz que houve outra obra antes desta? Tomemos o primeiro dos 32 poemas que constituem este título de Inês. Chama-se “Intróito” e diz assim:

 Era um poeta que só escrevia primeiras obras

condenado por ter um dia escrito um poema

feito com palavras conhecidas apenas pelos deuses.

Queria usar agora palavras como: lírios. Ou: Eva.

Considerá-las com ênfase, como lhe tinha ensinado uma amiga

poeta com um amigo poeta. Fechou-se em casa.

Encheu páginas de silêncio.

Passados dias, os deuses devolveram-no

às coisas. Com elas escreveu a segunda obra.

 As Coisas é essa segunda obra de Inês Fonseca Santos. O seu corpus poético começa portanto no Opus 2, e não no Opus 1, o que, sendo original, não deixa de ser adequado ao livro que aqui nos dá. Porque, mais do que uma recolha poética, uma primeira obra, com tudo o que isso comporta de terreno ensaiado pé ante pé, feita de impressões diversas e de diversas instâncias do real sobre os quais se exerce o ministério do poeta, As Coisas é um livro – com princípio, meio e fim. E é-o também porque rompe na cena poética portuguesa com um vigor, uma respiração e uma maturidade raras em obra inicial. Há em As Coisas uma espécie de fio narrativo, que é feito de buscas e perdas, de tentativas e erros, de ensaios e aproximações, de fragmentações e de colagens, fio que nos prende ao mistério essencial que qualquer leitor procura num livro: qual é o nome? De quem é o nome? A poesia procura “das erlösende Wort”, a palavra perdida de que fala Wittgenstein. E é nessa ânsia de uma remota palavra primordial que nos reconciliasse no mundo, mais do que com o mundo, que se encontram a busca do poeta e a expectativa do leitor.

Nessa busca, o livro, mais que o poeta, constrói um mundo, um mundo feito de coisas dispersas, entre as quais o único nexo possível é o de um nome indizível – realmente, um nome não-dito -, mundo que se arquitecta em poesia. A poesia é o logos, a palavra capaz de organizar um mundo que se apresenta à memória como uma colecção de disjecta membra, de coisas soltas, arrancadas a um corpo ideal, uno e compreensível: o mundo, tal como é, é obsceno; cabe à poesia torná-lo apresentável. Para já, fiquemos com o programa deste livro: descobrir o nome que dá um sentido às coisas, a todas as coisas. É claro que, neste mundo povoado de coisas e de reminiscências de coisas, e da recordação de um nome perdido, há pontos de amarração, coisas que são mais coisas que as outras: do meu ponto de vista (e o leitor é, à sua maneira, um re-criador do livro que o poeta escreveu), o aquário verde, figura recorrente neste livro tão sedutor, é o que pontua a deriva poética da autora (arrisco-me a dizer que é a melhor imagem a cores deste livro, elegantemente tintado em tons de sépia).  O aquário verde é silenciosa testemunha e sinal da persistente memória de um espaço, de uma casa, de um mundo. Lá ao alto, no cimo da estante, o aquário verde acolhe e alimenta os “peixes-palavras”, assiste e resiste à passagem do tempo e ao esquecimento das coisas em nós. Ele é que permanece, num território poético em que todas as coisas se movem e quebram, se colam e voltam a partir, porque o nome do desejo não encontra a expressão da sua mágoa. Porque o nome não encontra a expressão. E, no entanto, o poeta chama por ele, ousa dizê-lo como nome, ousa chamá-lo como coisa:

Havia várias formas de chamar-te.

Chamar-te não era apenas dizer o teu nome.

Muito menos fazer-te virar a cabeça na direcção da casa.

Era conhecer-te o rosto – dedicado, disponível, raro.

 

As coisas livres ficaram escritas no chão.

Dizer o nome seria iluminar toda a cena, e eternamente. Dizer o nome seria a glória da poesia e a sua condenação, o seu cumprimento e a sua exaustão, porque “as coisas/são feitas de vidro./Partem-se quando digo em voz alta/o teu nome. Nome de todas as coisas.” Este curtíssimo poema, inserido na parte inicial do livro, é uma das mais felizes expressões que aqui se encontram para dizer esse êxtase e agonia de toda a expressão poética. Se fosse possível dizer o nome que é em si todas as coisas, estas estariam condenadas a desaparecer. Mas o poema não é elegíaco, é o enunciado de uma verdade poética que nos devia levar sempre a seguir pelo caminho que já Novalis apontava: “quanto mais poético, mais verdadeiro”. Chamo agora a atenção para o facto de que, nesse curto poema, aquilo que vos li como primeiro verso é, realmente, o título do poema. E essa particularidade deste livro – a de os títulos não serem circunstanciais ou descritivos, mas constituírem em si uma parte do discurso que se integra no todo do poema – é o que torna este poema tão paradigmático de tudo o que Inês aqui escreve. É uma arte poética que se enuncia, com a brevidade de uma norma que será seguida sem falhas ao longo do livro: “as coisas/são feitas de vidro./Partem-se quando digo em voz alta/o teu nome. Nome de todas as coisas.” O poema, o longo poema que este livro é, declina todas as possibilidades desta ruína das coisas e da exaltação do nome desejado. E o incessante labor de reconstituir as coisas, à espera de poder voltar a dizer o nome que as estilhaça: “com sílabas/ de palavras caídas em desuso/ o teu nome volta a formar-se.” Tornam-se então indistintas as coisas e o nome que lhes dá sentido, a poesia resolve-se num movimento de construção/desconstrução, que é a dialéctica que faz o poema avançar, e que arquitecta a narrativa. Coisas recuperadas, irreparáveis, diferentes, semelhantes, materiais, sobreviventes. Coisas partidas, insignificantes, frágeis e difíceis. E as “mais difíceis”:

As coisas mais difíceis começaram por ser do corpo.

Pouco se pensava no tempo. Nenhuma consciência dele, menos ainda

do modo de contá-lo. Não pela falta de relógio

(o encarnado mostrava os números por debaixo de um arco-íris de cinco cores).

Era a falta de: as palavras. Pareciam-se com

o teu nome. O jogo – a guerra de procurá-las,

quanto mais dizê-las, fazia-nos de tempo (na pele, nos ossos).

Invencíveis, as coisas mais difíceis. Sobretudo

nos dias de sol:

com o som audível dos peixes no aquário verde,

a estante prestes a cair.

 

Dentro da casa, instalava-se a tempestade.             

Por casualidade, cruzei a leitura do livro da Inês com a de um romance do grande escritor espanhol Javier Marías. Chama-se Todas as almas. E aí, como que seguindo uma dinâmica de aproximações que se impõe quando menos a esperamos, encontrei este parágrafo: “Não posso dar-me ao luxo de dispor de todo o meu tempo e não ter em quem pensar, porque, se o faço, se não penso em alguém mas apenas em coisas, se não vivo a minha estada e a minha vida em conflito com alguém ou na sua previsão ou na sua antecipação, acabarei por não pensar em nada, desinteressado de tudo o que me rodeia e também de tudo o que possa nascer de mim.” O escritor precisa de um nome que o faça pensar, que o arranque à ditadura das coisas e o devolva à condição de ser-em-si-por-outro. Que nome é esse é o que a poesia – a de Inês como a de qualquer outro poeta – não diz. Como nota lapidarmente Manuel António Pina, “a poesia, se calhar, é uma porta que nos permite reconhecer que não há porta nenhuma”.

Vamos então ao último poema, “As coisas inquebráveis”: “Não me lembro de outras/que não as palavras”, diz a poeta. Permita-me que acrescente outra coisa, igualmente inquebrável, igualmente inútil, igualmente gloriosa: a vontade de escrever. Mesmo que dela apenas brote um nome indizível num aquário verde. »

António Mega Ferreira, Lisboa, 13 de Janeiro de 2012 [apresentação de  AS COISAS, de Inês Fonseca Santos, Lisboa, Abysmo, 2012 ]

[com um obrigado ao João Paulo Cotrim)

12/01/2012

As Coisas «São feitas de vidro…»

por cam
Roubei isto ao inexcedível Cabrita:
«De comum é isto que nos dita:
somos dementes observadores de pássaros
numa floresta que está a arder.
Mas às vezes, desopilado pelo lado de dentro,
abalroa-nos um encontro. Pode ser um livro
como este: As Coisas, de Inês Fonseca Santos.
Merleau-Ponty chamava «carne do mundo»
à rede de olhares com que ligamos as coisas.
Mas olhá-las não chega, precisamos de despertar
para elas, de nos deixarmos tomar pelo seu viés,
para o seu trânsito e inaudível recorte inaparente.
Talvez aí, sensíveis às suas ressonâncias
«frágeis, repetitivas, como o som das moscas»,
possamos surpreender nas coisas o imanifesto
pendor com que nos culminam ou abysmam.
Este livro sonda, na carne do mundo,
a sua alma e desperta-nos para as coisas.
Uma vez deram-me uma bicicleta,
e aqueles pedais não sei se eram uma coisa
(ou duas?) ou o modo como eu respirava
na subida da Penha de França.
Este mesmo dúbio sentimento me aflorou
quando li estes poemas instigantes
e tão frios como o gelo que queima,
tão inesperados como a relação que as coisas
connosco tramam ao imaginar-nos
como o seu património imaterial.
Uma coisa é certa: As Coisas esvazia-nos
de qualquer sentimento de propriedade,
nele percebemos que o fundamental tem
a fragilidade dos filamentos das lâmpadas,
é o quase que está entre.
O que somos nós sem os intervalos
com que as coisas nos olham e dizem?
Só uma coisa – lá está – as “supera”,
também elas dependem da toxidade do amor:
As Coisas «São feitas de vidro./
Partem-se quando digo em voz alta/
o teu nome. Nome de todas as coisas».
Este é um livro dunar; sentamo-nos distraídos
a olhar o mar, julgando ter encontrado uma evidência
e de súbito estamos submersos. Porque o livro fala
das coisas comuns, a partir de palavras comuns
para nos infiltrar gota a gota no mistério:
«(…) o som dos cacos é uma coisa diferente/
do som dos teus passos.//
Contento-me com cópias como o escritor se contenta/
com a falta de palavras.» É um livro
que transforma o leitor na sua cópia feliz
e me escapa, e me faz gaguejar,
como ar entre os dedos, como a sede e a fome.
Mas já pensaram no que não se articularia,
sem esse reverso vazio? Não voltamos à sede?
Não matamos a fome, repetidamente? ´
É um livro que me escapa como aquela mosca
do Cortázar que encostava a cabeça no vidro
e passava, deixando-nos boquiabertos de espanto.
Por isso vos deixo três pequenos sismos
desta tão boa aposta do João Paulo Cotrim e da Abysmo:
AS COISAS LENTAS
Fumo demasiado depressa
o meu cigarro apagado.
Os cigarros fumam-se lentamente
ao espelho fixando um único dos nossos rostos.
Pois bem: na casa só nos cacos há reflexos. Os rostos suspendem-se
entre nós e nós, as letras das palavras. Os rostos aguardam-se,
observam-se, ao longe. E não há fumo que os evole..
Talvez por isso: nunca aprendi a acender um cigarro
por ser absolutamente desnecessário aprender a aprender a acender
um cigarro. Na casa onde tu fumavas
cada cigarro era uma letra. De cada vez que o filtro te tocava
os lábios eu perguntava: como te chamas? À superfície
do teu espelho, o teu vagar respondia-me
até ao esquecimento de nós.
Talvez por isso: tento acender um cigarro. Apago-o antes
que me chegue aos lábios.
Está frio neste lugar. A boca abre-se
como uma coisa lenta em forma de espanto.
AS COISAS ESCRITAS
Tenho as coisas escritas
no peito, o teu nome. Nada tem que ver
com o coração, muito menos com sentimentos,
o teu nome está-me escrito nos sinais, sob a pele.
A tinta, desenhos de círculos castanhos
assinalando lugares.
O meu mapa genético tem uma única localidade.
Dizer o nome dela é chamar-te.
Chamar-te é encontrar a minha morada.
AS COISAS INANIMADAS
Os meus dedos morrem muitas vezes.
Começa pelas pontas e, de minuto em minuto,
pequenos insectos descem à palma da mão.
Como o exército de um país em guerra,
avisam ser possível – até aceitável – desaprender
o teu nome. Insisto
em escrevê-lo. De minuto em minuto,
os dedos são os meus, os teus,
outros no fecho dos caixões e
mais: aqueles com que fumas
as coisas inanimadas.
Se é isto a morte?
Tenho poucas dúvidas
e ainda a impossibilidade
e o tempo
de as anotar.
Compreendem a urgência de ler este livro?
Há algum contrabando novo nestas letras,
que alegra a paisagem rala
que o trivial abocanhou. E brilha
nele um tremendo susto
transmudado em poética:
“(…) organizei os restos,/
coisas que me sobreviviam.//
Não é exactamente o que se quer
morrer a apanhar migalhas com a ponta dos dedos.”
E se nós fôssemos a asma das coisas?
Só lendo nos curamos, pois com os pomos
mudamos em pele o lugar do amor
e aí, costurados ao que nos reflecte, vemos
como se ilumina a porta aberta que há na luz.»

Inês Fonseca Santos

O lançamento do livro da Inês é esta Sexta-Feira 13 de Janeiro, às 22 horas, no Lux-Frágil.

05/01/2012

AS COISAS DA INÊS FONSECA SANTOS

por cam

Lançamento do livro da Inês Fonseca Santos, com ilustrações de João Fazenda, adição abysmo, no Lux Frágil, dia 13 de Janeiro de 2012, pelas 22 horas. Apresentação de António Mega Ferreira, leitura de poemas por Filipa Leal e Pedro Lamares.