Posts tagged ‘Língua’

25/08/2011

PREDAÇÃO

por cam

Ler os outros, as suas escritas, é um modo de me apoderar do que me falta neles. O processo é predatório na sua essência. Acrescento ao meu corpo de possibilidades as partes dos outros que desejo, e no mesmo passo regenero as idênticas que em mim gosto, nos seus detalhes.

Neste processo, para evitar excessos em mim, desfaço-me de algumas partes, umas declaradamente estranhas – ou assim as sinto – e outras reutilizáveis. Se isto aproveitar aos outros, acrescentando-os, é mero acaso, e apenas assim assemelhado a qualquer lance altruísta.

Um jogo em que a cumplicidade nem sempre é voluntária nem recíproca, luta encarniçada que sai de mim para mim, este acontecimento ocasional de escrever sobre os outros.

Açougue de palavras, pedaços de carne roubados e atirados às feras.

26/05/2011

MOÇAMBICANISMOS: BREVE GLOSSÁRIO

por cam

Araújo, rua: Araújo é o nome do primeiro Governador de Lourenço Marques, em 1781. Começou por se chamar dos Mercadores. Rua dos casinos, dancings, jogo, álcool e sexo que teve o seu auge, frenético nos anos 20 e 30 do século XX, mas que nos 70 ainda vivia sob a aura desse passado glorioso. Hoje chama-se Bagamoyo, a localidade da Tanzânia onde a FRELIMO teve campo de treino e escola antes da independência. Artérias, nomes de: nomes de ruas ou avenidas como Mão Tsé Tung, Lenine, Nyerere, Mondlane, etc, são a renomeação no pós Revolução de antigos nomes do tempo colonial.

Avenida, Teatro: antigo teatro colonial, situado na avenida 25 de Setembro, na baixa de Maputo, hoje sede de uma das mais prestigiadas companhias do teatro moçambicano, o Mutumbela Gogo.

Bacela: presente, dádiva, mimo que se dá em determinadas ocasiões e que excede o pagamento de serviços prestado ou do produto adquirido; gorjeta; o mesmo que saguate.

Bageri: cereal de Diu (Panicum spicato).

Baneane: 1. comerciante hindu das costas africanas do Índico; 2. por extensão, comerciante indiano.

Bangaçal: local de armazenamento de mantimentos.

Batik ou batike: O batik é uma arte milenar de origem controversa onde o desenho é feito com cera quente e colorido com tinta. A técnica base consiste no tingimento após a impermeabilização de certas partes da tela (seda pura, algodão e couro). As áreas recobertas com cera ficam impermeabilizadas e não retém o tingimento. Com a ajuda da cera e banhos sucessivos de tinta, os tons são sobrepostos. Maputo está “invadida” por vendedores de batik (“verdadeiros” e “falsos”). 

Biznar: vender, negociar (do inglês business).

Boss: sobretudo como vocativo patrão, tratamento usado sobretudo por vendedores para os potenciais clientes, principalmente se forem brancos, turistas.

Botle de raque: garrafa de urraca, aguardente. O botle, palavra inglesa, era uma medida mercantil para medidas, também corrente nos documentos portugueses da época (século XVIII).

Brada: termo de empréstimo (inglês brother); forma de tratamento carinhosa e informal; irmão, amigo, pessoa muito próxima.

Cabritismo – o cabrito come onde está amarrado: uso depreciativo, significa que um funcionário (ou dirigente) no seu local de trabalho se beneficia ilicitamente de bens ou favores; boísmo (de boys).

Cacimba: neblina, nevoeiro.

Cafre, cafreal: Hist. 1. designação genérica dos povos nativos da África Austral; relacionado com estes povos 2. (sobretudo no séc. XX) Muito ofensivo, com conotações fortemente racistas, negro, em geral; bárbaro, rude, selvagem (do árabe kafir, “infiel”). Se usado em culinária, frango à cafreal, não tem conotações negativas.

Caniço: parte periférica da cidade em que predominam as construções de materiais precários (por oposição a cimento), bairro (de bairro de caniço).

Capulana: pano muito colorido e com diversos motivos, de forma rectangular, de algodão, usado principalmente como saia ou para levar os bebés às costas (mulheres); os homens podem usar calças confeccionadas com tecido de capulana.

Caril: molho feito com várias especiarias, no português de Moçambique é utilizado para designar qualquer tipo de molho.

Castanha: semente do cajueiro, Anacardium occidentale, (castanha de) caju.

Catembe: península que fica diante de Maputo, do outro lado a Baía.

Catorzinha: rapariga muito jovem (entre os 12 e os 14 anos) que se entrega à prostituição.

Changana: uma língua bantu, da família Tswa-Ronga, muito falada no Sul de Moçambique.

Chapa: transporte colectivo, semi-formal (de chapa: preço único, de cem meticais, no início; agora, com a valorização do metical, o preço varia entre 5 e 15 meticais em Maputo); nos últimos anos, apesar de muitas das viaturas serem decrépitas, há uma tendência para modernizar as frotas de carrinhas de 9 lugares (embora seja norma transportarem de uma só vez mais 20 pessoas); por extensão, qualquer automóvel que transporte pessoas a troco de algum dinheiro, ou o preço cobrado.

Chibalo, xibalo: tem origem no século XIX, após o fim oficial da escravatura (1842). Durante décadas, no século XX, consistiu em recrutamento compulsivo de trabalhadores para o trabalho em obras públicas, dentro e fora do território moçambicano, com remunerações irrisórias e sob condições indignas.

Cimento: parte central de uma cidade, muitas vezes correspondente à cidade colonial, que tem só edifícios de tipo europeu, por oposição a caniço ou bairros (“ele agora está a morar no cimento”).

Cinzentinho: polícia de giro da PRM – Polícia da República de Moçambique (da cor do uniforme).

Continental, café: célebre café-restaurante do tempo colonial, na avenida 25 de Setembro, na baixa de Maputo. Actualmente, o credo religioso dos novos proprietários proíbe o consumo de álcool.

Delagoa Bay: Baía da Lagoa, internacionalmente conhecida, pelo menos até ao início dos anos 1920, pela expressão inglesa Delagoa Bay. O nome Baía da Lagoa, nasceu da crença [errónea] dos portugueses de que os rios Manhiça ou o do Espírito Santo, derivavam, juntamente com o Nilo, de um grande lago do interior.

Empoderamento: reforço do poder real (social, económico, político) de um grupo ou sector de população (de poder, segundo o modelo do inglês empowerment).

Estamos juntos: expressão popular moçambicana que funciona como cumprimento final quando dois amigos se encontram casualmente.

Fecalismo: nas expressões “fecalismo a céu aberto” ou “fecalismo público” – acto de defecar a céu aberto; defecação.

Flat [flete]: apartamento (palavra inglesa).

Fô by fô: jipe com tracção às 4 rodas (for by for).

Frelo: termo usado para designar alguém que é membro ou simpatizante de FRELIMO, por vezes pejorativamente.

Ilha, ou Ilha de Moçambique: cidade insular situada na província de Nampula, na região norte de Moçambique, que deu o nome ao país do qual foi a primeira capital. Devido à sua rica história e património arquitectónico, considerada pela UNESCO, em 1991 Património Mundial da Humanidade. Está ligada ao continente por uma ponte com cerca de 3 km de comprimento. Primeiro entreposto onde aportou Vasco da Gama. Durante muito tempo julgou localizar-se aí a famosa Ilha dos Amores, do Canto Nono dos Lusíadas, de Luís de Camões.

Inhaca: ilha sensivelmente a 30 quilómetros de Maputo.

Karingana wa karingana: termo que serve de intróito a narrações. O poeta José Craveirinha utiliza a expressão, que é equivalente a “era uma vez”, e que indica que o que se segue é uma estória, um conto ou uma fábula. A karingana wa karingana responde-se karingana, como forma de aceitação (sim, era uma vez).

Laurentina: cerveja moçambicana. Laurentino é o termo que designava os naturais de Lourenço Marques, actualmente Maputo. O nome colonial mantém-se.

Maca: problema, confusão, briga, disputa, milando.

Machamba: terreno de cultivo, normalmente do sector familiar, de subsistência.

Madgermanes: ex-emigrantes na antiga RDA, que se viram forçados a regressar a Moçambique após a queda do Muro de Berlim, em 1989 (do inglês german).

Mainato: empregado doméstico que tem como tarefa principal lavar e passar a roupa a ferro. Origem colonial.

Mamã: O termo é a designação que se dá à primeira dama ou esposa de um chefe em sinal de afecto e respeito. Passou a ser mais usado a partir do momento em que o termo camarada começou a cair em desuso. Por vezes é usado como equivalente de mamana, forma de tratamento respeitoso. Eu creio que esta “definição de dicionário” não é totalmente correcta, pois me pareceu em diversas ocasiões que o mamã é usado como equivalente feminino de patrão ou boss, termos com que os moçambicanos tratam os homens brancos – ou pretos ricos, próximos do poder. V. Mamana.

Mamana: mulher adulta, casada ou viúva, servindo o termo como forma de tratamento respeitoso (mas inferior a mamã), usado com frequência para tratar tanto a senhora doméstica como a vendedeira de mercado.

Maningue: muito (“estava lá maningue malta”, “estavam lá maningues pessoas”, etc.).

Marrabenta: ritmo/dança praticada no Sul de Moçambique em que tomam parte homens e mulheres, formando roda com pares marcados e independentes: Provavelmente originada a partir da majikha, a marrabenta que se praticou muito, em particular, nos subúrbios de Lourenço Marques, adquiriu um ritmo mais veloz e passou a ser dançada com gestos mais elaborados e estilizados. Vulgarizou-se, talvez erradamente, como “a” música típica de Moçambique.

Massala: fruto da massaleira. Fruto de casaca dura e de forma esférica, comestível, de onde se pode confeccionar bebida; a sua casaca, depois de seca, serve vários fins, como instrumentos musicais

Massaleira: tipo de árvore, Strychnos spinosa.

MCell e giros: MCell: rede de telefones móveis de Moçambique. Giro: pequeno cartão, que se raspa para revelar um código numérico que depois de se introduz no aparelho. São vendidos por toda a cidade a e todas as horas nas ruas e em todos os locais públicos. A Vodacom, outra rede, tem um sistema idêntico.

Metical: unidade monetária de Moçambique (em Agosto de 2010, o câmbio era aproximadamente de 1€=47,5 Meticais).

Milando: problema, imbróglio, confusão, briga, disputa, maca. No século XVIII (W. Bolts), a expressão “um homem milando”, ou simplesmente “um milando” significa nos papéis da Feitoria austríaca, sempre, um mensageiro encarregado de discutir um assunto, fazer uma reclamação ou reivindicação, tratar de um negócio ou trazer uma notícia.

Moluene: menino da rua, criança abandonada, sem pais ou vivendo longe da família.

Moxoxo: provavelmente, tira de pano com que as mulheres envolvem parte do corpo, sobre a capulana.

Msaho: sarau cultural, em particular relacionado com a música, canto, dança e poesia, iniciado nos anos 80 do século XX pela AEMO-Associação dos Escritores de Moçambique, e habitualmente realizado no coreto do Jardim Tunduru, antigo jardim Vasco da Gama.

Mufana: rapaz, garoto, miúdo, muana.

Mulungo: pessoa de cor branca, o branco; também patrão (de qualquer cor), senhor, pessoas com mais posses que os demais.

Nautilus, café-restaurante: situado no cruzamento da avenida 24 de Julho com a avenida Julius Nyerere (Polana-cimento), local de conversa e de encontro social – e com uma das melhores padarias de Maputo.

Ngungunhane, Ngungunyane, Gungunhana: chefe do chamado império vátua de Gaza, entre 1884 e 1895. Foi derrotado militarmente pelo exército de Mouzinho de Albuquerque, em 1895, preso, enviado para Lisboa, em 1896, acompanhado de tio, filho e mulheres, e depois deportado para Angra do Heroísmo, Açores, onde faleceu na prisão em 1896 (as suas mulheres serão desterradas para São Tomé.)

Nice: às vezes escrito naiss [naice]: adj. bom; bonito; agradável; simpático, bom (termo de empréstimo do inglês nice). “Moçambique é maningue nice”, “estar numa nice”.

PCA: sigla com que são designados ao administradores das empresas em Moçambique (equivalente ao CEO europeu e americano).

Pemba: cidade moçambicana, sede de município e capital da província de Cabo Delgado, no Norte. Até 1976 a cidade tinha o nome de Porto Amélia.

Piri-Piri, restaurante: situado na avenida 24 de Julho (Polana-cimento), é famoso pelo seu churrasco (picante), e local de conversa e de encontro social.

Polana, Hotel: hotel de luxo, inaugurado em 1917. Um dos mais luxuosos e carismáticos – e míticos – hotéis de toda a África Austral. Recentemente renovado.

Régulo: chefe tradicional africano; autoridade integrada na hierarquia política da administração portuguesa, que controlava uma área (regulado) dentro de uma circunscrição. A administração portuguesa recuperou e pôs ao seu serviço, chefes tradicionais existentes.

Saguate: presente, dádiva, mimo que se dá em determinadas ocasiões e excede o pagamento de serviços prestados; gorjeta; o mesmo que bacela. Pelo menos nos séculos XVI a XVII, saguate tinha o significado de uma oferenda de cortesia e de respeito feito pelos portugueses aos soberanos e chefes dos povos com quem contactava e queria estabelecer comércio, etc.

Scala: cine-teatro colonial, hoje desactivado, na avenida 25 de Setembro, na baixa de Maputo.

Sommerchield: bairro de vivendas em Maputo, onde mora a alta burguesia moçambicana e se espalham as embaixadas e palácios de altos dignitários do regime.

Surumático, de suruma, soruma: cânhamo indiano, Cannabis sativa, droga, marijuana; bangui, bolinhas, buma, passa, etc.

Taxi Girls: entre os anos 20 e 30, eram jovens sul-africanas belas, vestidas a rigor. Nos Casinos e bares da rua Araújo, à noite, conversavam com os clientes. E qualquer homem podia comprar uma “fita” de bilhetes por dois e quinhentos cada bilhete, e por cada bilhete a menina dançaria com ele uma música. Mais tarde, anos 60 e 70, basicamente eram prostitutas.

Tchova (xitaduma), txova (xitaduma): um tipo de carrinho puxado ou empurrado à mão, geralmente de duas rodas, e que é usado frequentemente como meio de transporte alternativo de carga a baixo custo (expressão changana, ”empurra que há-de pegar”, irónico).

Tramway: carro eléctrico laurentino, que existiu em Lourenço Marques entre 1904 e 1937. Propriedade da The Delagoa Bay Development Corporation Company.

Tuga: o Português. Ainda ocorre com certa frequência em Moçambique, embora com menos sentido depreciativo.

Txopela (tchopela): triciclo motorizado táxi que percorre Maputo a velocidades pouco consentâneas com a segurança dos passageiros e transeuntes. Há os populares e os exclusivos de hotéis de luxo, como o Cardoso ou o Polana.

Ventar: fazer vento.

Xiconhoca: no período pós independência, indivíduo reaccionário, inimigo da revolução, por ideologia ou por maus: preguiça, alcoolismo, falta de sentido colectivista, etc. (de Xico, Chico, diminutivo de Francisco, e nyoka, “cobra”).

Xilinguíne: durante a primeira metade do século XIX, o Presídio (fortaleza) de Lourenço Marques, viu-se frequentes vezes ameaçado, vivendo praticamente confinado à estreita faixa de areia da praia de Maxaquene, completamente cercada de pântanos. É dessa altura que vem a designação Xilunguíne, que, traduzida, significa o sítio dos brancos.

Xipamanine, Xiquelene, Malhazine, Magoanine, Urbanização, Jardim: bairros periféricos e pobres de Maputo, onde vivem mais de um milhão de pessoas.

Xirico: tipo de rádio pequeno a pilhas.

 = AGRADEÇO CRÍTICAS E SUGESTÕES =

22/04/2011

“UM CÊ A MAIS”

por cam

Recebi há pouco, por e-mail, do Cristóvão de Aguiar:

«Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa. Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim. São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância. Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim! Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas. O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos. Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. Em ‘há de’ há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem. Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu. E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião. Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham. As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos. Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar.»

Manuel Halpern in Jornal de Letras (Visão, 04/10/2010), retirado daqui, com a devida vénia.

26/03/2011

O FULGOR DE LLANSOL

por cam

Maria Gabriela Llansol

«Sobre Maria Gabriela Llansol (1931-2008) disse Eduardo Lourenço que será, depois de Fernando Pessoa, “o próximo grande mito literário da literatura portuguesa”: “Nunca será uma autora fácil e consensual. É uma espécie de fenómeno misterioso. Alguém vindo de uma outra espécie de planeta. Quem a encontra é difícil não ficar fascinado por essa escrita.”

Esse fascínio é partilhado pelos escritores, artistas e cineastas com quem o Ípsilon falou sobre Maria Gabriela Llansol – leitura de cabeceira à qual recorrem, encantados pelo fulgor do texto, por um universo único, ou pelo desafio de ler em liberdade desafiando os cânones.

Criadores contemporâneos (llansolianos assumidos ou não) falam ao Ípsilon da sua relação de encantamento com Maria Gabriela Llansol, um “animal de escrita” que permanece misterioso. É já neste domingo [27 de Março] que o Centro Cultural de Belém inaugura a exposição Sobreimpressões”»

12/04/2010

O NÃO DITO…

por cam

(…) apenas ressoava no que não foi dito somente onde já não chega a língua, onde ela ultrapassa os seus próprios limites terrenamente mortais e penetra no indizível e abandona a expressão da palavra e – cantando-se apenas a si própria na estrutura dos versos – rasga entre as palavras o abismo angustiante e sufocante dos segundos, para, em pressentimento da morte e abarcando ao vida, nessas mudas profundidades, mostrar, ela própria emudecida, a totalidade do universo, a simultaneidade fluente, em que repousa o eterno; oh meta de toda a poesia, esplendor da língua, quando ela, por sobre toda a informação e toda a descrição, se anula a si própria, oh, os momentos da língua em que ela mergulha na simultaneidade, de tal maneira que permanece incerto se é a memória que brota da língua, ou se é a língua que brota da memória.

Hermann Broch, A Morte de Virgílio