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25/06/2013

Hipopótamos: não ceder à tentação de desviar o olhar

por cam
Alguma boa vontade poderá fazer-nos aceitar que o nível qualitativo médio da ficção portuguesa tem vindo a crescer de forma sustentada ao longo da última década. Este crescimento é suportado pelo aumento significativo do número de autores, a par com a aquisição de estratégias narrativas e de edição capazes de evitar erros básicos de construção ou de escrita. O problema é que este nível médio (onde poderíamos colocar como autores mais notórios Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Dulce Maria Cardoso ou João Tordo, mas que se estende por um sem número de legítimos pretendentes) mantém-se mediano, se não baixo, sem ser capaz de gerar (ou de tornar visíveis) autores de excepção.
Esta, a excepção, se nasce quase sempre da quantidade, tem muitas vezes dificuldade em se fazer notar no interior da proliferação e da quantidade.
Por sua vez, a crítica literária, nos poucos espaços institucionais onde subsiste, raramente ajuda, tendendo a colar-se a estratégias voluntaristas que não se distinguem muito do registo de promoção editorial. Vemos sucederem-se livros “belíssimos”, mas literariamente inócuos, e quando acontece alguma coisa de relevante editoras e crítica fazem-se distraídas.
Num momento de multiplicação de autores, num momento de uma permissividade cultural quase sem entraves, a edição, o mercado e a crítica (a ordem não é aleatória) promovem uma intimidatória neutralização criativa. O autor ameaça transformar-se ele próprio na personagem de um ghost-writer de cara descoberta.