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17/03/2011

RELATO DE UM PAÍS INCULTO

por cam

Com a devida vénia, transcrevo o texto de Francisco Valente, do seu blogue Da Casa Amarela:

«Um dia depois de ser comunicada a intenção do Governo de baixar a taxa do IVA dos campos de golfe de 23% para 6%, decisão essa comunicada pela televisão pública, em imagens, como uma descida da taxa aplicada nos carros Volkswagen Golf, é comunicado, pela Cinemateca Portuguesa, o cancelamento de 13 sessões já programadas deste mês sob o pretexto de cortes no seu financiamento decididos pelo Ministério das Finanças que impedem o transporte regular das películas, assim como a sua devida legendagem.

A mistura e o tratamento destes acontecimentos não é apenas reveladora de um país em crise financeira e em crise intelectual — a do tratamento das imagens, sensibilidade diária e sinal de inteligência que já não importa nem à primeira entidade responsável pela sua garantia, ou pelo menos, a mais vista. Trata-se, sobretudo, da prova definitiva que este Governo — e os sucessivos Governos compostos pela mesmíssima classe política que desgovernam o nosso país para o caminho da bancarrota e, sobretudo, da ignorância —, não se importa que a sua população vá jogar golfe com o pretexto de contribuir para uma cultura de lazer, mas já se importa que outra parte da sua população manifeste vontade de ir ver um filme de Godard, Antonioni ou Cimino para se enriquecer de outra forma — o enriquecimento cultural.
Esse enriquecimento é aquele que tem faltado de forma constante a quem nos governa e a quem é governado. Se o país se encontra na situação em que está, será, antes de mais, pela falta de educação e sensibilidade quando é chamado a tomar as decisões mais importantes do seu destino: a da gestão e do direccionamento dos seus recursos, assim como a promoção de uma política virada para um progresso mental e intelectual dos seus contribuintes, habitantes e criadores.
O facto que se chegue ao ponto de intervir no funcionamento regular de uma das poucas instituições que funciona de forma eficiente e transparente em Portugal — a Cinemateca Portuguesa — não é apenas sinal de uma total indiferença por esse mesmo caminho — ausente — que tem minado o desenvolvimento efectivo do nosso país. É a afirmação definitiva que, em tempos de crescimento ou de crise, este Governo, e outros, continuam a ver a cultura como uma soma de conteúdos, e não como sinal de uma riqueza tão indispensável como aquela que está dentro de cada uma das nossas carteiras. Mas Portugal, neste momento, não será mais do que isso nos seus pontos de responsabilidade: carteiras vazias para cabeças sem ideias ou educação. O facto de se censurar a cultivação da sua população e daquele que deveria ser visto como o regular — e essencial — serviço público revela-se tanto na incapacidade do seu órgão oficial de imagens (a RTP) em dar um tratamento devido do mundo que a rodeia, como no abismo final que nos retira, para além do bem-estar económico, o bem-estar cultural, último reduto da nossa vivência em sociedade, e que começa a marcar a vida do eterno e triste destino deste país.
A solução é apenas uma: terminar, de uma vez por todas, com a impunidade da incompetência que nos dirige e da insensibilidade para as áreas essenciais da nossa sobrevivência dentro e fora de uma crise: a educação e o conhecimento. A violência do fim das imagens não será menor do que a da falsificação dos seus significados, já indiferentes a uma população em crise de vida — consequência directa dessa mesma incompetência. Ficamos a saber: para a classe que nos dirige, mais vale ir apanhar bolas do que ver um Godard. Veremos quais das revoltas será a mais consequente, mas para isso, este Governo não saberá que a(s) história(s) das nossas imagens pairam sempre sobre os nossos falhanços.»