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Frente à morte e pela morte. Em cada um de nós (potenciais assassinos), ficam impedidas as duas possibilidades, a de ser vítima e a de ser verdugo, por obra da morte: um (a vítima), deixa de ser; o outro, será já igual a si mesmo, ficará identificado e coisificado pela morte que escolheu, convertido num estereótipo penal, o assassino. Esta primeira vertente simbólica que deriva da análise do romance policial, diz-nos que a vontade de um indivíduo mantém sempre aberta a possibilidade do injustificável – entre todos nós, há alguém que decide ser o criminoso, e esta decisão que o condena confirma-o, também, como sujeito livre. Já se disse que todos os crimes se cometem em nome da liberdade: em termos de uma determinada consciência ética, assim é: não há liberdade sem crime. Porém, o mesmo romance detectivesco clássico reproduz no seu próprio mecanismo a garantia de que a responsabilidade moral não deve chegar a ser imputabilidade arbitrária. No romance procura-se o culpado, não um culpado. O nervo próprio do género é a negação do ordálio, o capricho ou bode expiatório. A coacção social pretende recompor a ordem social quebrada; mas o detective não alinha na procura do rasto da vontade do mal. O que faz grande um detective é a sua intuição de uma autêntica objectividade. Os mais originais e aparentemente caprichosos formaram o seu génio na luta contra a generalização apressada e contra os juízos apriorísticos. O velho detective atreve-se à descoberta do singular, do irrepetível. Contra os ditames do senso comum, da simples doxa, o grande detective reclama-se da lógica pura, a instância menos sujeita à superstição popularucha e ao referendo. Ou seja, defende Savater, o género detectivesco clássico consiste na simbolização dramática da liberdade moral do homem e da imparcial objectividade da justiça.
Ao romance detectivesco clássico chamou-se romance de mistério e Savater defende que o mistério é a sua razão de ser, o seu traço fundamental. Gabriel Marcel, lembra Savater, distingue entre «problema» e «mistério»: os «problemas», são aquilo que a nossa intervenção activa pode resolver, como a fome ou o analfabetismo; os «mistérios», apenas podem ser apresentados e vividos, mas não resolvidos, como o sagrado, a morte ou o amor. Poder-se-ia então aceitar que o romance detectivesco seria melhor qualificado como «romance-problema»; mas não, contraria Savater: para além do problema tem de haver um mistério. Poder ser, como se disse, o injustificável e a liberdade. Porque é mistério o que pressentimos dentro de cada homem, a capacidade enigmática do sublime; ou, então, um dos diferentes “eus” que cada um esconde em si e que se decide romper o velho pacto que nos une contra a fera. O detective, então, avança por entre a névoa em direcção a um rosto desconhecido do qual apenas sabemos que se assemelha a nós. E depois o calafrio delicioso ao sentirmos a sua mão firme que nos arrasta, enquanto uma voz nos diz ao ouvido: «Vamos, Watson, a aventura está a começar!»